sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Zeca Afonso (de Coimbra)


Há 20 anos, conhecida a notícia da morte de Zeca Afonso, sentei-me ao computador e escrevi um pequeno texto de homenagem, no qual lembrava um espectáculo no jardim da AAC depois do "25 de Abril" e o livro de capas vermelhas que existia em minha casa, no fundo de uma gaveta, com poemas do Zeca.

Enviei o texto para o Porto, mas ele não foi publicado.
O "editor de serviço" no Jornal de Notícias optou por outros depoimentos - possivelmente mais "politicamente correctos".

Vinte anos depois, neste blogue, não haverá editor que me impeça de recordar Zeca Afonso e o espectáculo que nunca mais esqueci, no jardim da Associação Académica de Coimbra, numa tarde quente do Verão de 1975 (ou de 1976?).

Cheguei já depois das 10 da noite. Quis entrar mas o recinto estava repleto. O recinto e as imediações. Não cabia uma agulha.

Comecei a andar e acabei por ficar a meio da Rua Padre António Vieira, ali pelas traseiras do quartel dos Bombeiros Municipais, não vendo nada do que se passava nos jardins da AAC mas ouvindo com razoável qualidade.

Naquele tempo, o "fado de Coimbra" era fascista.
A capa-e-batina também.
Alguns (muitos) queriam ferir de morte a tradição académica coimbrã.

Zeca Afonso era apresentado como um cantor de intervenção, o baladeiro que ajudara a fazer cair o regime do "24 de Abril". Justamente.
Mas esquecia-se (ainda hoje, nas rádios, isso parece estar a acontecer) o Zeca Afonso cultor do "fado de Coimbra".

Nessa noite, nesses tempos em que quiseram mutilar a alma coimbrã, Zeca Afonso subiu ao palco, fez-se silêncio, ouviram-se as guitarras e a voz do cantor soou potente, cristalina.

"O meu menino é d'oiro / É d'oiro fino / Não façam caso que é pequenino".

As lágrimas rolaram-me pelo rosto.
O grande Zeca não traíra a sua Coimbra.

Foi naquela noite que se começou ganhar a "guerra do fado", que teve outras "batalhas" importantes nos anos seguintes, na "Praça Vermelha", que era o nome que naquele tempo se dava ao Largo da Sé Velha.
Estive nalgumas.




O meu menino é d'oiro
É d'oiro fino
Não façam caso que é pequenino
O meu menino é d'oiro
D'oiro fagueiro
Hei-de levá-lo no meu veleiro.

Venham aves do céu
Pousar de mansinho
Por sobre os ombros do meu menino
Do meu menino, do meu menino
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.

Quantos sonhos ligeiros
p'ra teu sossego
Menino avaro não tenhas medo
Onde fores no teu sonho
Quero ir contigo
Menino de oiro sou teu amigo

Venham altas montanhas
Ventos do mar
Que o meu menino
Nasceu p'r'amar
Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó.

O meu menino é d'oiro
É d'oiro é de oiro fino ....

Venham altas montanhas
Ventos do mar ....

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