Há clubes de bairro, de cidade ou de região, assim como há clubes nacionais e até clubes em que ainda perpassam tiques de classe sócio-profissional. O que parece existirem poucos é "Clubes de Bandeiras".
Com efeito não serão muitos os clubes nascidos e desenvolvidos em torno de valores e empenhados em defender bandeiras. Bandeiras éticas, de cidadania, de solidariedade e de fraternidade, como é o caso da Académica.
Clube duma Academia, estendeu-se à cidade, ao país e a vários recantos do mundo - globalizou-se antes da globalização - porque na cor das camisolas estavam inscritos valores e no seu futebol perfumado havia o gozo de ser diferente, sem subserviências ou arrogâncias.
Sendo projecto de formação académica e de cidadania, a Académica assumiu uma dimensão ímpar por simbolizar uma universidade e uma cidade, criar uma "escola de futebol", protagonizar a irreverência e a coragem de ser capaz de, em tempos difíceis, lutar por causas superiores como a liberdade.
Mas os últimos anos têm sido particularmente difíceis apesar dos esforços para travar a sua descaracterização e a conseguir enquadrar, com as suas especificidades, no mundo do futebol profissional. Fizeram-se congressos para a discutir e muitos têm sido os sócios que têm dado públicos contributos tentando encontrar um modelo de gestão e um projecto desportivo conciliador das suas raízes e do romantismo futebolístico do passado com o agressivo profissionalismo de agora.
Mas tudo isto sem sucesso. Chegámos aos tempos da mera sobrevivência futebolística em que ainda mal o campeonato começou e já nos aprontamos para assumir, com sofrimento, a luta pela não despromoção. Aí estamos outra vez este ano.
Os jogadores vão e vêm às carradas, os treinadores chegam e partem, apesar dos bons currículos e das boas referências do seu trabalho noutros clubes, tudo a dizer que o mal está cá, que os problemas são de administração e de gestão, de falta de planeamento e de organização.
Há uns anos atrás o argumento para as derrotas estava na ausência de campos de treinos e acusava-se a Câmara. Hoje há campos de treinos e chegou-se mesmo ao ponto da Académica se ter instalado na Câmara, cometendo o erro trágico de fazer do seu presidente director municipal do urbanismo.
Cegamente, e apesar dos avisos, houve quem acreditasse que desta forma haveria vantagens para a Câmara e para a Académica, mas, como previsto por alguns entre os quais me conto, com esta perversa acumulação a Académica acabou por ver escrita uma das páginas mais negras da sua história.
Para além dos males de que já sofria, a Académica foi atingida, enquanto instituição, levando a que os mais velhos, que conheceram a outra Académica, já tenham percebido que ou há uma rápida refundação ou esta morre definitivamente.
A cada dia que passa as angústias académicas são cada mais profundas, porque se vê a Briosa - ferida eticamente e com uma assustadora fragilidade desportiva - encurralada no beco sem saída a que foi conduzida pelos actuais dirigentes.
(*) João Silva, militante do PS (in "Jornal de Notícias")
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