Oficialmente, esta crise deve-se a crimes e asneiras do sistema financeiro motivados sobretudo por excesso de mercado e falta de regulação. Não há discurso que não o afirme.
Longe de mim negar tais causas, embora, por natureza, desconfie que hecatombes desta dimensão se fiquem apenas a dever a uma ou duas causas. Do meu ponto de vista, a crise resulta de muito mais cambiantes e variantes, como, aliás, todas as crises que historicamente atravessámos.
Curiosamente, muito se fala da crise de valores, mas pouca importância se lhe atribui quando se trata de analisar a falta de confiança dos mercados, as falências e o desemprego. E, no entanto, a crise de confiança é ela própria uma parte da crise dos valores. Sem valores seguros - como a probidade, a justiça, a temperança, a palavra, a prudência - não há confiança.
O sistema financeiro, sendo responsável por parte dessa quebra de confiança, foi também ele próprio vítima de uma ideologia dominante que pouca ou nenhuma atenção deu a estes valores tradicionais. Aliás, veja-se como na arte, nas ciências sociais, na comunicação, a ideia de virtude foi sendo abandonada em favor de conceitos a que chamámos pós-modernos.
Ao mesmo tempo que o relativismo negava uma verdade exterior a nós, para a colocar dependente do observador e em plano equivalente a outros valores, as principais âncoras da nossa sociedade eram arrancadas. O politicamente correcto, espécie de ditadura da linguagem, juntou-se com ideias generosas mas insustentáveis de que os direitos são inalienáveis e prevalecem sobre os deveres, que no geral se resumem ao pagamento (se tal não puder ser evitado) de impostos.
Conceitos como aforro ou caridade quase acabaram, assim como a ideia de que as recompensas se obtêm após um tempo alargado de esforço; na nossa sociedade as recompensas têm de ser imediatas, assim como na economia.
A filosofia, a arte e parte das ciências (sobretudo as ciências sociais) deixaram de reflectir a realidade, para reflectirem reflexões, num jogo infinito e cada vez mais distante do homem. Ao mesmo tempo, as construções naturais - da família à sexualidade - foram consideradas meras preferências ou opções e, em consequência, substituíveis por modelos diferentes.
Estas ideias inundaram as universidades, os meios de comunicação, as conversas bem pensantes e estabeleceram um sistema do qual é difícil, perigoso e não recompensador discordar.
Não foi só o sistema financeiro que contribuiu para esta crise.
Assim como não basta refazê-lo para que a crise termine.
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