quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Homero Serpa

Homero Serpa foi a enterrar no dia 1.
Como escreveu ontem Alexandre Pais no concorrente "Record", Homero Serpa fez parte de um «grupo de professores como nenhuma outra universidade terá juntado – Alfredo Farinha, Aurélio Márcio, Carlos Miranda, Carlos Pinhão, Cruz dos Santos, Homero Serpa e Vítor Santos».
Foi um dos príncipes de "A Bola".
Foi com eles que aprendi a ler – quando entrei na escola primária, quase com 8 anos completos, o professor Bentes (esse mesmo, o “rato atómico” da Académica) não teve de me ensinar o "bê-a-bá" do juntar as letras, porque já o tinha aprendido nas páginas de “A Bola” (sempre que a “apanhava”), do “Diário Popular” (aos sábados, por causa do concurso de anedotas) e de “O Primeiro de Janeiro” (aos domingos, com as aventuras do Príncipe Valente).

Há uns três ou quatro anos participei num debate, na Universidade de Coimbra, em que esteve também presente Vítor Serpa, o então como agora director de "A Bola".
Vítor Serpa chegou acompanhado do pai, Homero Serpa, quando ainda faltava mais de meia hora para o início do debate, no novíssimo auditório da Faculdade de Direito. Ficámos à conversa.
Homero desfiou memórias de Coimbra – da Académica e de jornalistas com quem trabalhara mais de perto.

Há dois anos, aí por meados de Fevereiro de 2006, o Professor Manuel Sérgio (o pensador que mais sabe de Desporto em Portugal) concedeu-me uma entrevista.
A certa altura, falámos de treinadores de futebol: José Mourinho, Pedroto, Cândido de Oliveira...

Eis um excerto da entrevista:
– Qual era a sua função: aconselhar Pedroto?
– Não, não. Eu nunca ensinei futebol a ninguém. O Pedroto, coisa curiosa, era um homem que sabia que não sabia. Uma coisa interessante... Era uma pessoa curiosíssima, um indivíduo que gostava de saber e, então, gostava de me ouvir falar e levantava perguntas.

– Sobre tudo?
– Sim, sobre política, mesmo futebol. O Pedroto era muito interessante. Eu não sei se terá havido mais alguém no futebol com aquela curiosidade. Eu não conheci o Cândido de Oliveira, quem escreveu sobre ele foi o Homero Serpa...

– O Homero chegou a ser treinador do Belenenses...
– É uma situação curiosa. O Belenenses estava para descer de divisão e o Acácio Rosa, aí por 1969 ou 1970, foi buscar o pai do José Mourinho, que era nosso guarda-redes [Félix Mourinho], e o Homero Serpa, um jornalista, para orientarem a equipa. E o Belenenses não desceu de divisão! Isto deu-me muito que pensar, muito que pensar... É o homem que triunfa no treinador. O treinador triunfa se é, ou não é, homem. Isso é a força do José Mourinho. O líder é o grande treinador. Na alta competição, o líder é uma espécie de general; é evidente que tem de saber qualquer coisa de futebol... Tem de ser perspicaz, conhecer bem os seus jogadores. Mas isso quase todos sabem fazer, mas depois falta-lhes o resto: formar um grupo que saiba entrar em campo e ter objectivos. O jogador, acima de tudo, tem de entrar em campo e sentir que está a servir um ideal em que acredita.

A referência de Manuel Sérgio a Homero Serpa como conhecedor da vida de Cândido de Oliveira ficou-me na memória.
Pouco tempo depois, foi útil.

Na altura, encontrava-me directamente envolvido no projecto de um livro que contasse a história do futebol da Briosa. [Um livro que vai ser apresentado no próximo dia 18, às 18h00, na Sala VIP do ECC – Estádio Cidade de Coimbra/Empreendimento Comercial do Calhabé].
Nesse âmbito sugeri, até para tornar mais leve a leitura de um livro com mais de 600 páginas(!), que fossem incluídos depoimentos a propósito de datas/factos relevantes da vida da Académica.
A sugestão foi aceite e coube-me contactar diversas personalidades. Uma delas foi Homero Serpa que, recebida a carta, telefonou de imediato e aceitou colaborar naquele que – creio eu, pelo que pude ver nessa altura – será o livro mais completo alguma vez publicado em Portugal sobre uma instituição desportiva.

O texto – de que guardo o original – chegou poucos dias depois pelo correio.
«Entrei em "A Bola", em 1956, pela porta da coincidência, calhou assim - como diz o povo quando as coisas acontecem por acaso. Pois calhou. Cândido de Oliveira vivia em Coimbra, dedicado à Académica, raramente vinha a Lisboa, ao que se sabe, por Coimbra se dava muito bem. Eu, jornalista na fase de formação, conhecia-o apenas pelo que dele ouvia contar, no tom do elogio hiperbólico, pelo Vítor Santos, que realmente o admirava, pelo Aurélio Márcio, que o idolatrava, por alguns mais», escreveu Homero Serpa no texto que creio constar do livro que será apresentado de amanhã a 15 dias.

Foi um privilégio ter conhecido, embora superficialmente, Homero Serpa.
Descanse em paz, campeão.

Sem comentários: